Na Alemanha, rádio compra direitos exclusivos de transmissão de jogos

No Brasil, a discussão ainda engatinha. O Atlético já tentou forçá-la duas vezes, de maneiras diferentes e sempre sozinho, o que resultou em insucesso e críticas (o que penso sobre o tema está aqui). Mas, enquanto isso, na Alemanha, já é realidade: as rádios têm de pagar para transmitir jogos. Nessa semana, a DFL (Federação Alemã de Futebol, em tradução livre) confirmou um acordo de cinco temporadas com a Rádio ARD. A notícia, claro, mexeu com o futebol alemão.

A ARD é uma rádio pública com 10 emissoras espalhadas por toda a Alemanha. O grupo também tem emissoras de TV. As rádios operam em sistema digital e também pela internet. A compra dos direitos aconteceu em leilão aberto e deram a ARD três dos quatro pacotes de direitos oferecidos na cobertura das primeira e segunda divisões da Bundesliga, a Supercopa da Alemanha e o playoff do rebaixamento. A ARD será a única rádio a poder transmitir os jogos na íntegra e ainda terá alguns privilégios em entrevistas com os jogadores – não exclusividade. O leilão, no entanto, deixou os mesmos direitos abertos para a Internet nas mãos da Sport1.

Segundo o site da Revista Kicker, “o pacote ‘Audio Broadcast’ inclui os direitos de distribuição nacionais de áudio para FM e o pacote ‘Netcast Audio’ tem os direitos de distribuição de áudio para web e móvel. Ambos os pacotes dão direito a relatar todos os jogos.” As emissoras, no entanto, não tem direito exclusivo à cobertura jornalística, permitindo-se que os concorrentes façam coberturas curtas de áudio, incluindo entrevistas, tais qual o boletim do jogo em curso – como está, em que tempo, etc., no formato notícia ou, em interpretação livre, como os plantões do rádio brasileiro.

Leia também:

– Drubscky disse o que todos sabiam

– Exclusivo: por dentro do CT do Caju

– 15 minutos com Rafael Cammarota

Os valores não foram divulgados. O contrato se inicia na temporada 2013/14 e vai até a de 2016/17. Na imprensa europeia, especula-se um valor de 7 milhões de Euros por temporada. Aqui, mais um detalhe: na Alemanha, as cotas são divididas entre os clubes com base no desempenho esportivo da temporada anterior.

  • Jornalismo x Entretenimento

O modelo alemão tenta conciliar a difusão do espetáculo (entretenimento) sem desrespeitar o acesso à informação (jornalismo). Dá privilégios ao comprador dos direitos em entrevistas exclusivas, mas não proíbe as emissoras que façam as mesmas nem que compareçam às coletivas de imprensa. O que, aliás, é mais divulgação para o torneio. Principalmente: parte da confederação, que responde por todos os clubes. Para coroar, ainda há a divisão de cotas com critério desportivo. Um avanço.

No Brasil a TV Bandeirantes, com Luciano do Valle à frente, foi a primeira a, adquirir direitos exclusivos da transmissão do Campeonato Paulista, no começo dos anos 80, dando início ao negócio que conhecemos hoje. Record, SBT, CNT e principalmente a Rede Globo já transmitiram futebol ao vivo em algum momento. A Globo é a atual detentora dos direitos do Brasileirão, Libertadores, Copa do Brasil e de muitos Estaduais em TV aberta. No rádio, o único modelo de exclusividade conhecido é com as Copas do Mundo. Rádios do Brasil já se acostumaram a pagar à Fifa para poder transmitir as partidas. Quem não tem os direitos, não pode sequer fazer o off-tube.

No Paraná, o Atlético tentou, individualmente, vender os direitos de transmissão dos seus jogos em 2008. Não conseguiu, tendo a ideia barrada pela justiça. É um raciocínio lógico: ainda que uma rádio compre os direitos do clube, o jogo conta com duas equipes. Logo, a outra também precisa vender os direitos. Em 2013, o clube partiu para outra tentativa: proibiu seus funcionários de darem entrevistas para rádios, sites e TVs que não sejam do clube. Inicialmente apenas na internet, a Rádio CAP fez uma parceria com a 95.7 FM de Curitiba, que é a única para quem os jogadores tem orientação de falar. O modelo da parceria não foi explicado publicamente. A rádio não transmite outros jogos, se anuncia como “Rádio CAP 957” e não tem veiculado anúncios – que são a base de sustentação de toda emissora. Estima-se que uma equipe esportiva enxuta e que faça viagens para acompanhar os clubes necessite de uma renda mínima de R$ 30 mil por mês, entre despesas e salários.

O conflito se dá não pelo formato ou pela compra de direitos e sim pelo comportamento de quem cobre o futebol. Será preciso acompanhar na Alemanha como o jornalismo atuará a partir da novidade. No Brasil, costuma-se confundir o direito à informação com publicidade e também há um constrangimento em se tecer críticas e informações inerentes ao jogo e ao meio pelo simples fato de se ter direitos ou parcerias estabelecidas. A relação perigosa pode ser evitado de uma maneira simples: exercitando-se o caráter. Mas isso não se ensina em curso nenhum.

Relações perigosas

A relação da imprensa com os clubes no Paraná nunca foi das melhores, mas nos últimos dias atingiu níveis de intolerância e proximidade perigosos. Por ora, tudo personalizado na figura do radialista Osmar Antônio, da Rádio Banda B, que recebeu cerceamento de trabalho na cobertura do Atlético no Atletiba 349 e no jogo deste domingo em Paranavaí, ouviu do zagueiro Manoel que “Não posso falar”, ao fazer uma pergunta. Logo percebeu que tratava-se de uma ordem superior para que ninguém o atendesse (outros mais podem sofrer com isso).

Exatamente na outra face da moeda, coincidentemente envolvendo um profissional da mesma rádio, Eduvaldo Brasil recebeu uma homenagem da diretoria do Coritiba, tendo sua imagem e uma mensagem de parabéns vinculada ao press kit do clube no jogo contra o Roma. Enquanto um condena, outro abraça. E pra mim nenhuma das medidas é salutar ou profissional.

Não discuto o mérito da lei – que é indiscutível, deve(ria) ser cumprida – e está melhor explicada nessa matéria da Gazeta do Povo. Osmar Antônio está credenciado por um veículo legalizado e deve ser respeitado; também não nego ao atencioso e simpático Edu Brasil o merecido parabéns e reconhecimento de todos os colegas. Edu tem uma vida dentro do Coritiba e seu trabalho é conhecido há anos. O que une as situações aparentemente tão distintas é a adoção de relações que os clubes mesmos combatem, mas colaboram.

Ao que parece, a relação do presidente do Atlético Mário Celso Petraglia  com o repórter citado não é das melhores. Não existe nenhuma motivação pública (deveria ser ao menos explicada) para a medida tomada pelo clube que ele preside para agir com o profissional senão uma retaliação, por motivo ainda suposto. Mas Petraglia, que cobra profissionalismo de todos os setores, age erroneamente na situação. Já se recusa a falar com a imprensa do Paraná – mas não com a paulista, sendo citado constantemente na Folha de SP* – e orienta seus funcionários a não responderem o citado repórter. Petraglia não é obrigado a dar entrevistas a ninguém; ninguém o é, de fato. Só que ele ocupa um cargo importante e está sujeito a cobranças.

Quando fala a imprensa, fala ao torcedor. Sob a intenção de fortalecer os canais de comunicação do clube, só se manifesta pelo site oficial. Esquece-se que o site, por melhor acessado que seja, não tem o alcance que a rádio e a TV ainda têm, falando para mais pessoas, os quase 1,5 milhão de torcedores do Atlético espalhados pelo Mundo que não necessariamente visitam ou visitarão o site. Com a medida, também se priva de responder perguntas que vão ao desencontro do que ele pensa. Esquiva-se de certos temas. Quanto aos jogadores, que cumprem apenas ordens, deveriam ser orientados a dar entrevistas após Media Training, recurso vital em qualquer empresa de sucesso. A retaliação é sempre o pior caminho. Como futebol é resultado, o momento fortalece a medida aos olhos do torcedor menos politizado.

A relação do Coritiba na situação citada também tem distorções. Por mais que mereça (e merece) o carinho dos colegas, oficializar um profissional na ativa no press kit cria uma situação de cumplicidade muito grande (1). Como conduzir a isenção nesse processo? Causa um constrangimento. Estar de bem e ter boa e educada relação com dirigentes, atletas e comissão técnica não precisa ir tão longe. O Coxa já chegou a ceder espaço no site oficial para colunas semanais de alguns repórteres. Evidentemente, o espaço não pode trazer todo o noticiário, se tornando chapa branca, pois é de assessoria. E a imprensa infelizmente não traz apenas coisas boas: por vezes, uma crítica ou uma denúncia é mais salutar que o elogio, especialmente o falso.

(1) Observação: o departamento de comunicação do Coritiba entrou em contato com o blog para informar que não foi distribuído press kit com a homenagem para todos os veículos, tornando-se apenas uma homenagem interna para Edu. Indiscutível a merecida homenagem e, desfeito o engano, mantenho a análise em relação as antigas colunas, já retiradas do site.

O mercado de imprensa deveria aproveitar o momento e refletir. Jornalismo não pede passagem, acontece e pronto. É preciso independência. O mercado local muitas vezes vive de favores de dirigentes em viagens, banaliza espaços publicitários em troca de abraços, não valoriza a formação profissional de quem ocupa o microfone. Uma boa pauta não precisa de hora marcada para coletiva: existem vários assuntos de interesse público que não são esclarecidos e que poderiam ser olhados a partir disso. Jornalismo mesmo, melhor que o cômodo “treinou em dois períodos.”

Os próprios profissionais poderiam se ajudar, se respeitando, respeitando o colega e o mercado, unindo-se contra os erros e crescendo. A tudo que foi escrito acima, soma-se a eterna desconfiança dos torcedores, que talvez com essas mal traçadas entendam um pouco mais do mercado.

Não sou corporativista e já sofri na pele discriminação dos colegas. Basta você querer fazer diferente e há um preço a ser pago. Tudo o que defendo nesse espaço, que é independente acima de tudo, é por convicção pessoal. E as relações acima citadas estão erradas. As duas. Na vida, o equilíbrio é tudo. É tempo de profissionalizar o futebol do Paraná e isso passa por uma nova atitude das partes.

*O conteúdo da Folha de SP é fechado apenas para assinantes, por isso a referência em um blog